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Sobre o augúrio dos gafanhotos

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Mensagem  M· Diniz Nemetios Sex Jun 08, 2018 12:29 pm

Faz um bom tempo que deveria ter postado isto cá, demorou mais vai:

Na revista Palaeohispanica 13, há um artigo muito interessante de Francisco J. F. Nieto, onde se lê

La celebración secular del rito céltico denominado “augurio de los langostos”, que se halla todavía vigente en la comarca hispana del Sobrarbe, marca el punto de arranque para estudiar este nuevo testimonio que brinda el tratado de fluviis. El rito de los langostos se celebra anualmente el 12 de enero en la ermita de San Victorián (municipio de Abizanda). El rito transcurre así: bajo una de las encinas que crecen junto al eremitorio se extiende sobre el suelo un mantel blanco, en el cual se colocan unos panes u hogazas redondos, distribuidos en las cuatro esquinas del lienzo y en el centro del mantel; luego se espera a que aparezcan los diminutos saltamontes, que pueden ser de tres diferentes tipos porque cada uno presenta distinto color. Según predominen los saltamontes blancos (dorados o ligeramente marrones), los verdes o los negros, se considera que la cosecha será buena en cereales, en aceitunas o en uvas respectivamente. Pero puede asimismo recibirse una predicción que afecte proporcionalmente a las tres futuras cosechas, de manera que, por ejemplo, si acuden muchos langostos negros, bastantes dorados y escaso número de verdes, es que habrá excelente vendimia, buena cosecha de cereal y menor cantidad de aceite. El hecho de que no salgan estos insectos constituye un mal presagio, puesto que las langostas comparecen incluso si el terreno se halla nevado. NIETO, Francisco J. F. Nuevas perspectivas sobre la magia céltica de las langostas y los augurios relativos a la cosecha: los rituales de Misia y de Hispania. In Palaeohispanica 13. Zaragoza: Instituición "Fernando el Católico", 2013. p. 85-102.


Uma questão para os dias de hoje: terminologia.

Chama atenção não haver palavra céltica, pelo que pesquisei, para “gafanhoto”. Em irlandês antigo, o termo parece ter vindo do latim (“brucha” de “bruchus”), em galês o termo foi adotado do inglês (“locust”). No Proto-Céltico (em PrC) não encontramos vestígios. Tal coisa nos leva a suspeitar que no passado, os agentes fossem insetos em geral, e não especificamente gafanhotos somente. Em todo caso, pela ausência de termo em PrC, ficamos sem um constructo nominal decente.

Como o autor coloca, se tem notícia de uma advinha gaulesa nos tempos de Cláudio, chamada de “Lucusta” (“locusta” é gafanhoto em latim) e fica a sugestão de de seu nome ser uma tradução latina de um nome gaulês (o que era comum, em termos de romanização). Seria interessante verificar a etimologia dos termos latinos, vai que um deles fosse de origem gaulesa...

Visão geral.

O artigo, cuja leitura integral recomendamos, parte de uma comparação geral de outras ocorrências parecidas visando atestar o cariz Indo-Europeu da prática e sua adequação nos moldes religiosos compatíveis com as fés celtas antigas e já esboça uma reconstrução ritual. Daí que tomaremos a estrutura como é apresentada sem que tenhamos que buscar noutras culturas e fontes subsídios para preencher eventuais lacunas.

O tempo é a metade do mês do fim do inverno, em Janeiro, cerca de 15 dias antes de 1 de Fevereiro (Ambivolcia na Europa). É bem possível que o calendário lunar tenha algo de ver com tal data (este tempo “quebrado” de 12, 13 e 15 dias, é uma evidência) originalmente, mas que com o passar do tempo e o descaso ritual cristão para com as lunações tenham “congelado” a data.

O local é um *nemetom, embaixo de um carvalho. Na prática “cristianizada”, justamente, ocorre embaixo dos carvalhos nos arredores da ermida (muitas, um fanum ibero-romano cristianizado ou um *nemetom pré-romano cristianizado) e não seria de estranhar se remontasse aos tempos antigos ininterruptamente, ou seja, se a ermida cristã houvesse herdado o rito.

Além de um lenço branco (limpo, obviamente) ou manto, se necessita das oferendas: pão ou bolacha redonda a ser disposta nos quatro cantos e no centro do manto estendido sob o carvalho. E basicamente, são os materiais necessários para a prática augural em si.

De nossa parte, assumiremos que o áugure também deverá ter passado, como de praxe, por um processo de purificação e estar devidamente preparado para oficiar o processo do modo mais ortoprático possível.

O sinal e a leitura.

Em termos gerais, o sinal é lido a partir das seguintes diretrizes: cores, localização, quantidade ou ausência de gafanhotos.

Em se tratando das cores, temos três grupos: brancos (que são, na verdade, os marrons ou dourados), negros e verdes. Os primeiros simbolizam os cereais. Os negros as uvas (e poderíamos supor que os frutos negros em geral) e os verdes, as azeitonas (e. novamente, podemos estender aos frutos verdes em geral).

Sobre a localização, não fica clara como deve ser interpretada. Considerando que temos 5 “locais”: os 4 cantos e o centro, podemos partir destes como representativos de uma área geográfica delimitada e ritualmente representada (poder-se-ia seguir os pontos cardeais ou uma leitura “direta”, relacionando o canto com um azimute para o horizonte). Ou ainda, entender os locais de forma “temporal”, considerando 4 períodos (em direção horária) e o centro como um “geral”.

Já a ocorrência dos insetos é de leitura simples: sua presença é um bom sinal, sua ausência, um mal. Quanto mais aparecem, nas cores em que aparecem, mais se entende que haverá na colheita. E aqui é importante frisar que tal sistema é focado no prenúncio das colheitas.

Novas possibilidades.

Enquanto sistema augural, tal procedimento possui um escopo específico: visa um augúrio coletivo de algo que depende de nossos esforços (o plantio, o cultivo, etc.), mas também da própria ação divina que não é controlada por nós. Neste sentido, é um sistema que até pode ser reinterpretado, mas numa reinterpretação que preserve tais limites: poderia ser utilizado, além da previsão de colheitas da região ou localidade, para a previsão de “colheitas” de ordem, digamos, mais cultural, desde que se encaixe nesta dinâmica de interação do esforço humano e dos elementos não controlados por nós. O que pode incluir a prosperidade de projetos, grupos, etc. cuja resposta futura, a “colheita”, não dependa de nós, por exemplo. No entanto, é bom frisar uma vez mais, é um procedimento tradicional direcionando e com um propósito específico, não é um sistema oracular “de bolso” que sirva para qualquer questão a qualquer hora e lugar.

A extensão de outros insetos ao invés de grilos ou gafanhotos é complicada, especialmente, se os antigos compreendiam algum poder neste inseto especificamente. Sabemos que as formigas, por exemplo, também possuíam uma certa dimensão ctônica (o nome para ‘formiga’ em PrC ecoa ‘morto’: formiga é *morwis e morto é *marwos) e talvez coubesse numa questão que envolva o poder da fertilidade ctônica. Se podemos considerar qualquer inseto, apenas insetos terrestres (saltadores ou não), ou somente gafanhotos/grilos, deixo em aberto. Em todo caso, as três cores podem ser estendidas mimeticamente (ou seja, branco para o que é branco ou dourado, verde para o que é verde, etc.) para mais coisas além dos cultivos agrícolas em si.

A questão da localização, como já sugeri, é onde creio que haja mais espaço para reinterpretações. Podemos utilizar certas associações de direções presentes no ogham irlandês, por exemplo. Ou ainda entender tais direções como espaços temporais/momentos (sendo o centro, o eixo da Roda, a constante a ser mantida ou observada). Enfim, há espaço para testes e discussões posteriores.

É uma prática ligada a um templo. O exemplo parecido da prática mísia utilizada pelo autor do artigo, sugere também um local diferenciado (uma esquina de um campo recém arado, limpo e pronto para receber as sementes, ou ainda algum elemento topográfico distinto neste campo: sob uma árvore, etc.). Se tal prática poderia ser adaptada para um altar doméstico, não saberia dizer. Cá no hemisfério sul, em especial nas zonas tropicais e do semiárido, carvalhos não são nada comuns (ao menos que se plante) e talvez caiba uma adaptação da biorregião local.

Outro ponto ligado com a prática e que não é explicitado é o tempo de espera pelo sinal. Quanto tempo poderíamos considerar? 30 minutos? 3 horas ou uma noite, verificando pela manhã seguinte a disposição das oferendas? É importante que o oficiante estipule de antemão um tempo específico com sentido. Pode o sinal ser “imediato”, em poucos minutos, reunindo os insetos, neste caso fica um tanto óbvio que não será necessário ficar muito tempo para se ter o sinal. Por outro lado, precisamos ter uma base temporal para distinguir o que seria um completo mal presságio (a ausência total de qualquer inseto) do tempo “normal” para que os mesmos cheguem. A título de teste, considerarei o tempo de 30min.

E as oferendas? Estas devem ficar dispostas sob o manto até serem consumidas completamente (o que poderá levar dias ou semanas, é bom lembrar) ou após o procedimento, elas devem ser devidamente recolhidas e depositadas em locais adequados (fossos, sobre pedras ou queimadas)? Como o cariz geral dos elementos do augúrio são “terrestres” ou mesmo ctônicos, interpretarei que após o procedimento, não haja problemas em cuidadosamente retirá-las do manto e depositar as oferendas em *dworestowes (“portais”) deste tipo: fossos, penhascos ou rios (ctônicos), junto a árvores ou sobre pedras (terrestres).

Cabe também uma última especulação. Se compreendermos que, por acontecer sob a sombra de um carvalho, tal rito terá, necessariamente, a presença do Senhor do Carvalho (o poderoso Reus!), talvez especulemos que este seja supervisione a mancia em si. Neste caso, seria de se esperar a presença de algum fogo sagrado e um cariz mais celeste. Por outro lado, se supusermos que a divindade que vela sobre tal procedimento é o Soberano do Submundo (para os gauleses Sucellos ou Aissus, nós cá acreditamos ser Tongos – interessante que caberia toda uma especulação entre “magia” e “adivinhação” relacionada a árvore, em especial, ao pendurar-se numa – e aqui lembramos do germânico Wotan – mas este “pendurar-se” para obter conhecimento, por mimetismo, requereria as oferendas penduradas, o que não é o caso – em todo caso, é bom lembrar da relação do irlandês Dagda com o carvalho), afinal, ainda é no inverno, seria de se esperar que a árvore fosse um teixo ou algo assim, ao menos que este, durante esta época, pela “rivalidade” mítica com Reus, também tivesse o carvalho em seu “domínio”.

Na verdade, a questão gira mais em torno de qual divindade preside sobre o agente (o gafanhoto). O autor crê que os antigos criam no poder inato do inseto, eu não creio que fosse este o caso, creio que o inseto age sob influência do Poder divino, ou seja, creio mais em expressões como “animal de tal deus” ou tal animal ou inseto é consagrado a tal divindade. Daí que ajudaria muito saber para qual divindade (se o Soberano Celeste ou o Soberano Ctônico) o gafanhoto “serve”, se podemos falar assim. Não recordo na literatura mítica irlandesa algo do tipo, mas me recordo de gafanhotos sendo citados no Mabinogi galês e nos caberia procurar mais para vermos se há alguma evidência que possa ser recuada aos celtas do continente (e que não seja algo circunscrito aos celtas da Britânia).

Em todo caso, vamos nos centrar no rito em si. A discussão mais metafísica sobre quais poderes de quais divindades estão agindo, sem uma indicação mítica, será sempre uma área de especulação muito ampla. E os fatos são que, não há fogo no recinto, nem são as oferendas penduradas na árvore ou queimadas.

Mas aí deixamos em aberto para que possamos conversar sobre.

Um esboço do rito.

Na época adequada (aprox. 15-18 noites antes do Ambivolcia) e no local correto (um *nemetom, sob um carvalho), o oficiante devidamente purificado (por fumigação ou banho) inicia o rito.


  1. 3x um sinal sonoro.
  2. Uma invocação primicial aos Deuses para que estes propiciem um augúrio válido e uma oferta (poderia ser uma libação ou oferta de incenso).
  3. 1x sinal sonoro.
  4. O oficiante faz então a questão e realiza o sacrifício dos pães redondos, estende o manto branco no chão e dispõe os pães sacrificados nas quatro quinas e no centro.
  5. 1x sinal sonoro.
    Em “posição de lótus”, o mesmo espera o sinal por 30min., realizando a leitura do mesmo ao final deste tempo ou caso o sinal se manifeste antes de maneira óbvia. Após a interpretação do sinal, o oficiante proclama o vaticínio.
  6. 1x sinal sonoro.
  7. Agradece as divindades com uma nova libação e, se não for possível deixar as oferendas serem consumidas sobre o manto, recolhe o manto e deposita adequadamente as oferendas (junto ao carvalho, ou sobre uma pedra próxima, ou dentro de um fosso no local). E assim encerra o rito.
  8. 3x um sinal sonoro.


Material necessário:

  • Sino ou corneta
  • Taça ou chifre-de-beber para as libações
  • Vasilhame para os pães ou bolachas
  • Manto branco limpo ou novo


Oferendas:

  • Pães integrais redondos ou bolachas redondas integrais (o ideal seria que fossem preparados em casa)
  • Bebida para libação


Bem, é isso, espero que seja útil.
M· Diniz Nemetios
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