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Lenda de sta. Iria e a deusa Návia

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Lenda de sta. Iria e a deusa Návia Empty Lenda de sta. Iria e a deusa Návia

Mensagem  M· Diniz Nemetios Qua Abr 15, 2015 11:02 am

Artigo curioso publicado no Blogue de Lisboa, intitulado O RIO TEJO, A LENDA DE SANTA IRIA E NÁBIA, DEUSA DOS RIOS E DA ÁGUA de 16 de Maio de 2015 (mas que só descobri recentemente, graças ao sujeito do Blog "Gladius").

Conta a lenda que Iria – ou Irene – nascera em Nabância, uma villae romana próxima de Sellium, a atual cidade de Tomar. Oriunda de uma família abastada, Iria veio a receber educação esmerada num mosteiro de monjas beneditinas, o qual era governado pelo seu tio, o Abade Sélio.

Dotada de beleza e inteligência, a jovem Iria atraía as atenções sobretudo dos fidalgos que disputavam entre si as suas atenções. Contava-se entre eles o jovem Britaldo que por ela alimentou uma enorme paixão. Contudo, Iria entregava-se a Deus e recusava as suas investidas amorosas.

Roído de ciúmes pela paixão de Britaldo, o monge Remígio que era o diretor espiritual de Iria, deu a beber a Iria uma mistela que lhe provocou no corpo a aparência de gravidez, provocando desse modo a sua expulsão do convento, levando-a a procurar refúgio junto do rio Nabão. Britaldo, a que entretanto chegara os rumores do ocorrido, movido por despeito, ordenou a um servo o seu assassínio.

Atirado ao rio Nabão cujas águas correm para o rio Zêzere, o corpo da mártir Iria ficou depositado nas areias do rio Tejo, aí permanecendo incorruptível para a eternidade, tendo o seu culto sido muito popular sobretudo no período do domínio visigótico.

Do nome de Irene – Santa Iria – tomou a antiga Scallabis romana o nome passando a denominar-se de Sancta Irene, daí derivando a atual designação de Santarém. Da mesma maneira que, para além de assinalar um acidente orográfico, a designação toponímica Cova da Iria deverá ter a sua origem no referido culto a Santa Iria, porventura já sob o rito moçárabe ou seja, cristão sob o domínio muçulmano embora adotando aspetos da cultura árabe.

A lenda de Santa Iria e o relacionamento com o local onde nascera ou seja, a villae romana de Nabância, remete-nos ainda para o culto de Nabia, a deusa dos rios e da água, uma das divindades mais veneradas na antiguidade na faixa ocidental da Península Ibérica ou seja, a área que atualmente corresponde a Portugal e à Galiza.

Bem, vamos ao que interessa. Seria a lenda da Santa Iria, uma versão cristianizada de uma narrativa mitológica da deusa Návia?

Minha primeira impressão diz respeito a um motivo céltico de “injustiçamento” de uma Deusa, por ciúme (ou má interpretação de fatos) de um de seus pretendentes. É um motivo presente no primeiro ramo do Mabinogion (Rhiannon) e na narrativa gaulesa reconstruída por Jean-Jacques Hiatt (Mythes et dieux de la Gaule) sobre Epona, por exemplo. Em relação ao último exemplo mesmo, tem-se a “competição” ou concurso dos interesses de dois enamorados. A castidade e suposta indiferença da santa parecem ser claramente o enquadramento no modelo de virtuosidade ideal feminina cristã, o que explica a gravidez falsa, ao contrário da gravidez real (de Rhiannon e da grande deusa gaulesa). A morte da santa e seu repouso incorruptível sob as águas do rio Tejo, indicariam claramente a associação de Návia ao Outromundo e as águas, apontando também uma diferença importante em relação ao modelo gaulês e galês: a deusa na Ibéria estaria muito mais associada a uma descida aquática (e iconograficamente mais ligada às aves aquáticas, como cisnes) que a uma terrestre (e a égua e suas associações diretas com a encarnação da Soberania local). Se esta associação estiver acertada, teríamos, penso eu, mais evidências para associar Návia aos mitemas da deusa irlandesa Boand (que também “morre” por ter desafiado o poder da fonte de Segais, andando em sentido anti-horário... é bom lembrar que a fonte é presidida por Nechtan, e Nechtan é tido como esposo da deusa) que ao modelo equino da Rigantona galo-britônica ou as trindades femininas irlandesas (Ériu-Banba-Fotla que são aspectos, muito provavelmente, de Morrígu-Macha-Badb), ou seja, reforçando ainda mais a visão de Návia com o modelo da “Deusa Rio” céltico que com o da “Deusa da Soberania”, apesar da semelhança de certos mitemas. Se compararmos:

Protagonistas:
1. Sta. Iria
2. Boand
3. Rhiannon
4. *Epona

Pretendentes:
1. Britaldo, Remígio
2. Nechtan, Dagda
3. Pwyll, Gwawl ap Clud, posteriormente Manawydan ap Llyr
4. Taranus, Esus/Sucellos

Outros personagens:
1. Sélio (tio)
2. deu luz a Oengus
3. deu luz a Pryderi, ajudada por Teyrnon
4. deu a luz a Maponos/Belenos/Grannos, ajudada por Smertulos e os Gêmeos Divinos

Ficamos a suspeitar que:

1. Návia, teria como consortes/pretendentes Reus e outra divindade (possivelmente o grande regente do Outromundo), refletindo o modelo indo-europeu dos dois soberanos.
2. Návia teria concebido (magicamente ou por ação sexual direta) e daria luz a um deus (o Grande Infante, a Criança Divina), associado a Juventude, Sol, Música
3. Teria encontrado seu “repouso” no Outromundo, sob as águas – teria voltado aos domínios celestes? É provável que não (como no caso de Boand), ficando, doravante, associada aos domínios ctônicos, sendo sua “celestidade” refletida na imortalidade dos guerreiros caídos em combate e em suas eventuais associações com a Soberania do Mundo (em oposição a Soberania Local, de cariz equino e terrestre). Neste caso, sendo triforme, teria o aspecto da soberania e realeza (por sua associação a eventos primordiais, das águas primevas, da necessidade geral da água dos rios para a vida comunitária e a concepção do deus associado a Juventude, Música, vaticínio, etc.), de associação guerreira (em especial como condutora e protetora dos caídos, dos *koroi de guerreiros, como Senhora da Barca) e de suas associações como força fértil feminina, “sedutora”, ninfa, de córregos, bosques, lugares ermos, por ventura associados ao Outromundo.

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